
Você já notou como alguns alimentos que marcaram sua infância voltaram às prateleiras com embalagens nostálgicas e frases como “mesmo sabor de sempre”? Mas, ao provar, percebe que não é bem igual? Isso pode não ser só nostalgia — e talvez nem seja por acaso.
Esse desvio entre expectativa e realidade pode ser um exemplo prático da falácia do Arenque Vermelho (Red Herring): uma estratégia argumentativa usada para desviar a atenção do ponto central. Em vez de focar no que realmente importa — a mudança na qualidade, composição ou valor do produto — a narrativa se apoia na emoção, na memória afetiva, ou em termos vagos como “sabor caseiro”, “feito com carinho”, ou “gostinho de infância”.
Por trás disso, pode estar uma prática econômica chamada skimpflation, um fenômeno crescente onde, para cortar custos, as empresas mantêm o preço dos produtos, mas reduzem a qualidade — seja substituindo ingredientes, terceirizando processos ou até cortando etapas da produção. Na indústria de alimentos, isso pode significar trocar chocolate verdadeiro por aroma artificial de chocolate, ou gordura láctea por gordura vegetal hidrogenada, sem alterar o nome do produto.
Red Herring + Skimpflation = Receita para Confusão?
A combinação da falácia do Red Herring com a skimpflation cria uma cortina de fumaça. A comunicação foca na narrativa emocional ou nostálgica, enquanto mudanças importantes passam despercebidas ou são mal comunicadas ao consumidor. A embalagem diz “nova fórmula ainda mais saborosa”, mas omite que a manteiga foi trocada por um composto lácteo.
É uma forma sutil de manipular percepções — e muitas vezes funciona.
Exemplos e Evidências:
- Em 2023, o jornal britânico The Guardian reportou como diversas marcas no Reino Unido estavam reduzindo a qualidade de seus produtos alimentícios sem alterar o preço, em resposta à inflação e ao aumento de custos (https://www.theguardian.com/business/2023/sep/02/what-is-skimpflation-and-why-is-it-driving-consumer-frustration)
- Um artigo da NPR (National Public Radio, EUA) também destacou o uso crescente de “aromas naturais” e “sabores artificiais” como substitutos de ingredientes reais, especialmente em snacks e doces (https://www.npr.org/sections/thesalt/2017/11/03/560048780/is-natural-flavor-healthier-than-artificial-flavor)
- Reportagens brasileiras e estudos acadêmicos também vêm apontando para esse movimento em categorias como biscoitos, sorvetes e achocolatados. As alegações de sabor e memória afetiva muitas vezes não condizem com a lista de ingredientes atual.
Ao identificar um “arenque vermelho” na comunicação de alimentos, é válido perguntar: o que estão tentando esconder? A nostalgia vende, mas não deve camuflar mudanças que impactam saúde, experiência e transparência. Consumidores atentos — e profissionais da alimentação e qualidade — podem (e devem) ir além do rótulo bonito.